Nesta quarta-feira, dia 1º de junho de 2022, a Vale S.A. completa 80 anos de existência. A empresa nasceu em Itabira, MG, em 1942, e tornou-se uma das maiores mineradoras do mundo. Foi criada em 1º de junho de 1942 pelo Decreto-Lei n.º 4.352, tendo como acionista principal o Governo Federal. Funcionou como empresa estatal até 6 de maio de 1997, quando foi privatizada. Adotou a marca Vale em 2007, quando deixou de utilizar a sigla CVRD, Companhia Vale do Rio Doce.

Foi na década de 1990 que muitos trabalhadores foram injustamente demitidos da ainda CVRD. Quatro anos depois, com a promulgação da Lei 8.878/94, eles conseguiram, na Justiça, anistia e o direito de serem reintegrados em órgãos do Executivo Federal. Porém, a luta desses trabalhadores continua, eles ainda não conquistaram o direito à aposentadoria. 

Aos 63 anos de idade, José Henrique Gonçalves, de Itabira, que integra o grupo de antigos servidores da CVRD anistiados, conta que “foi durante o governo Fernando Collor de Mello que muitos funcionários de empresas públicas, incluindo os da extinta CVRD, foram demitidos indevidamente”. A situação perdurou até o ano de 1994, quando foi promulgada a Lei Federal 8.878. Mas só em janeiro de 2011, foi assegurado aos ex-empregados  da CVRD o retorno ao mercado de trabalho por meio do extinto Departamento Nacional de Produção Mineral, DNPM, a atual Agência Nacional de Mineração, ANM. Segundo José Henrique, “como a ANM não dispunha de condições para acolher todos os trabalhadores, muitos foram alocados em outros órgãos do governo, e a maioria que luta pelo direito da aposentadoria, hoje, está com idade entre 60 e 70 anos”. Para ele, essa dificuldade acontece “porque eles querem que a gente desista, pois quando a pessoa morre a família fica sem nenhum direito”. Enfim, o que os trabalhadores anistiados da CVRD querem é conseguir junto ao INSS averbação do tempo de serviço relacionado ao lapso temporal entre a saída da empresa e a reintegração ao órgão público para onde foram designados. Sem isso, nada de aposentadoria.

Essa luta pela averbação do tempo de serviço dos anistiados só voltou a avançar em 2000, quando uma Ação Direta de Inconstitucionalidade foi ajuizada pelo PT, PDT, PSB e PCdoB. A ADI 2135, que  questiona a contratação desses servidores anistiados por meio das regras da Consolidação das Leis do Trabalho demorou, pasmem, 20 anos para que a Corte se dignasse a iniciar o julgamento do mérito do pedido. Em setembro de 2020, a ministra Cármen Lúcia, atual relatora do processo, emitiu voto parcialmente favorável aos anistiados, pois considerou inconstitucional o trecho da Emenda 19/1998 que eliminou o Regime Jurídico Único da Administração Pública, e que direitos e garantias individuais foram violados.

Mas o julgamento não andou, foi suspenso, e só saiu da gaveta no segundo semestre do ano passado, em agosto de 2021. Após o voto antecipado do Ministro Gilmar Mendes pela constitucionalidade de dispositivo da Emenda Constitucional 19/1998, para piorar a situação, o Ministro Nunes Marques pediu vista dos autos e, já passados mais de 6 meses do prazo regimental, até hoje, não devolveu o processo.

A ANBENE, entidade representativa dos Anistiados da Lei 8.878/94, manifestou recentemente, em nota, pedido expresso de inclusão do processo em pauta de julgamento “que trará solução definitiva para muitos beneficiados pela referida Lei que estão já na melhor idade e aguardam ansiosamente a resolução final dos seus problemas, como contagem do tempo de serviço para fins de aposentadoria digna, após tantos anos de espera para terem seus direitos amplamente corrigidos na forma da lei”.

Nosso jornal entrou em contato com o presidente da ANBENE, Amilton Silva, que nos relatou, por e-mail, sua preocupação com possíveis articulações no Governo Federal contra os direitos dos anistiados. Amilton disse que a entidade está tentando confirmar junto ao Ministério da Economia, “rumores de que o Ministro Paulo Guedes, através do atual AGU, solicitou que o Ministro Nunes Marques permaneça com o processo da ADI 2135 sob seu poder a despeito de que a Reforma Administrativa, passando no Congresso, a questão da ADI 2135 ficaria sem efeito, prejudicando a todos os anistiados e servidores”. Ele afirma que a ANBENE vem tentando esclarecer este fato, porém, “há um verdadeiro interesse em não responder nossas perguntas, o que significa que pode haver algo de muito errado, haja vista que o Ministro Nunes Marques que, pelo regimento, teria 60 dias para devolver o processo, já permanece por quase 7 meses com ele e não aceita nenhum questionamento”. Segundo Amilton Marques, Nunes negou pedidos de reuniões e o seu gabinete não respondeu a nenhum questionamento.

LINHA DO TEMPO DA VALE

Em 1989, época marcada pela realização da primeira eleição direta para presidente após o período da ditadura militar, em meio a uma mobilização política efervescente pela retomada do processo de redemocratização do país, trabalhadores de Itabira, MG, já se manifestavam contra a privatização da Vale e seu programa de demissões em massa. A onda de mobilizações e protestos cresceu e se transformou em greve geral. Estima-se que mais de 35 milhões de trabalhadores de todo o país foram às ruas naquela que seria uma das maiores greves gerais da história do país. No período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, antigos servidores públicos foram exonerados ou demitidos, uma clara violação de dispositivo constitucional. Cinco anos depois, em 6 de maio de 1997, o governo Fernando Henrique Cardoso vendeu a maior parte de suas ações da Companhia Vale do Rio Doce, a CVRD, um negócio que envolveu a quantia de R$ 3,3 bilhões e resultou na transferência do controle estatal para um grupo de empresas privadas. A Vale passou a ser comandada pelo Banco Bradesco, integrante do consórcio Valepar, detentor de 32 por cento das ações. Investidores estrangeiros somaram 26,7% das ações totais da empresa. Naquele tempo, só o valor da venda já era motivo de protestos, pois era evidente que a CVRD, renomeada Vale,  multiplicaria seu valor e seu lucro com novas reservas, que nem tiveram seus custos incluídos no negócio. Especialistas avisaram: o preço da privatização foi subestimado, o valor real da empresa poderia ultrapassar a cifra de R$100 bilhões. Sobre as críticas que o presidente Fernando Henrique Cardoso recebeu em razão da negociata, ele apenas respondeu, nos noticiários: “Essas pessoas têm um sentimento um pouco tosco e não entendem o significado do que está sendo feito, que foi um ato democrático”, disse FHC.

Victor Stutz, para Ô Mineiro