Aguardado pelos moradores dos 26 municípios impactados diretamente pelo rompimento da barragem de Córrego do Feijão, em Brumadinho, o Projeto de Demandas das Comunidades Atingidas teve seu desenho aprovado pela Justiça e está em fase final de ajustes. A proposta, encaminhada pela Cáritas Brasileira Regional Minas, pela Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab) e pela rede de bancos solidários E-Dinheiro após escuta das comunidades, foi homologada pelas Instituições de Justiça responsáveis pelo monitoramento do acordo geral pela reparação e aprovada em juízo. Com o aval do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), da Defensoria Pública de Minas Gerais e do Ministério Público Federal (MPF) e referendado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), o projeto piloto, que garantirá a aplicação de R$ 300 milhões para reparação socioeconômica, ganhou contornos definitivos após a entidade gestora ter ouvido 1.385 pessoas e mapeado possíveis caminhos para financiamento de iniciativas locais e microrregionais.

O piloto, que se inicia este ano e terá duração de 24 meses, é uma espécie de teste para aplicação dos R$ 3 bilhões previstos no Projeto de Demandas das Comunidades Atingidas. Este é um dos quatro programas da reparação socioeconômica, descrita no anexo I.1 do Acordo Geral de Brumadinho. Os projetos futuramente beneficiados deverão fomentar a geração de trabalho e renda, o acesso à cultura, esporte e lazer, à qualidade de vida e à saúde e para reparar uma série de problemas vivenciados pelas pessoas atingidas após o rompimento da barragem da Vale.

De acordo com a promotora de Justiça Shirley Machado Oliveira, do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (Cao-Cimos), o desenho proposto é de R$ 200 milhões para projetos não-reembolsáveis, ou seja, sem necessidade de reposição ao fundo financiador. Para tanto, serão lançados editais para a contratação de entidades executoras dos projetos. As organizações que vencerem estes editais deverão dar preferência para contratação de pessoas atingidas nas equipes de execução das propostas. Os projetos poderão ser de porte pequeno (local), médios (regionais) e grandes (inter-regionais).

Outros R$ 100 milhões serão destinados a crédito e microcrédito, com três modalidades de ação. Os empréstimos, feitos com mais facilidades que de bancos comuns, atenderão a propostas de investimento pessoal, como custeio de atividades produtivas para estimular o desenvolvimento. Os Fundos Rotativos Solidários (FRS) serão poupanças geridas por conselhos de moradores para propostas de cunho coletivo. Já os bancos comunitários funcionarão promovendo a circulação de moedas sociais, válidas apenas em território definido pela comunidade, e terão o objetivo de promover a economia entre grupos sociais de atigindos.

A divisão de dois terços para projetos e um terço para as linhas de microcrédito seguem a lógica de aplicação dos R$ 3 bilhões. A proposta é que todas as ações financiadas estejam relacionadas a danos causados pelo rompimento da barragem e que o programa seja sustentável no longo prazo, evitando esgotamento rápido dos recursos. Haverá critérios específicos para acesso aos recursos, com base nas prioridades definidas pelos atingidos. As assessorias técnicas independentes, contratadas com recursos da reparação, terão o papel de mediar e facilitar o acesso de possíveis beneficiários.

Protagonismo

Diante do diálogo estabelecido com os atingidos, a promotora Shirley Oliveira ressaltou o ineditismo da iniciativa. “É algo inédito: as próprias pessoas atingidas se organizando, participando de todo o processo da forma de destinação de um recurso de um dano que elas estão vivenciando diariamente. Isso mostra respeito à Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB), que diz que as pessoas têm que orientar o processo de reparação, e traz a possibilidade das pessoas assumirem de fato o protagonismo da reparação”, comentou.

No entanto, a promotora de Justiça ressaltou que a reparação socioeconômica não será sustentável se os demais programas não atingirem os objetivos. Isso porque a retomada de algumas atividades produtivas, especialmente as ligadas ao turismo e à produção rural, depende da reparação ambiental, assim como ambas dependem da reestruturação dos modos de vida, sobretudo no caso de comunidades tradicionais. “Tem muito a ser feito no processo de reparação. O anexo I.1 se soma a outras medidas que são igualmente importantes e absolutamente necessárias que ocorram quanto antes, por exemplo, a reparação ambiental”, ressaltou.

A tragédia

Em 25 de janeiro de 2019, às 12h28, houve o rompimento das barragens B1, B4 e B6A da Vale, na Mina do Córrego do Feijão, Complexo Paraopeba II, matando 270 pessoas. Após as investigações e protestos dos familiares das vítimas, o Estado reconheceu a perda de 272 vidas, pois uma das mulheres falecida em decorrência do rompimento estava grávida de gêmeos. O corpo de bombeiros militar de Minas Gerais ainda busca por três vítimas. Os 12 milhões de m³ de rejeitos de minério de ferro atingiram em cheio a bacia do ribeirão Ferro-Carvão, afluente do Rio Paraopeba e foi transportada para 26 municípios mineiros, contaminando a água que abastecia várias cidades. Os rejeitos impactaram 350 km de rios.

Fonte: Assessoria MPMG

Fotos Paulo Morais e Alex Lanza/MPMG